Cientista fala de tipo de morte celular pouco conhecido
Morte das células em processo que envolve íons de ferro é tema de seminário do Cepid Redoxoma no Instituto de Química.
Evento no Centro de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma) abordará temas recentes de pesquisa relacionados à morte celular por ferroptose – Foto: Pixabay/CCA morte de uma célula pode ocorrer de uma forma “suave”, programada pelo próprio organismo para manutenção do seu equilíbrio, ou então por processos acidentais, como infecção, substâncias tóxicas e falta de oxigênio. Ainda pouco conhecida, a ferroptose é um tipo de morte celular não programada que envolve a participação do ferro, na forma de íons, e está ligada à degradação de lipídeos (gorduras) por um processo conhecido como peroxidação lipídica.
O que acontece é que membranas biológicas, como as que envolvem as células, são formadas principalmente por lipídeos. E os íons de ferro catalisam, isto é, facilitam as reações de decomposição das gorduras, gerando compostos tóxicos para a célula, além de outros capazes de promover modificações em moléculas importantes para a vida.
No próximo dia 15 de maio, um seminário do Centro de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma) abordará temas recentes de pesquisa relacionados à ferroptose. O palestrante é o pesquisador José Pedro F. Angeli, do Rudolf Virchow Center for Experimental Biomedicine, University of Wursburg, na Alemanha, que dará o seminário Ferroptosis: Metabolic regulation of a cell death pathway marked by lipid peroxidation.
Angeli foi aluno de doutorado do professor Paolo Di Mascio e trabalhou por um tempo com as professoras Marisa de Medeiros e Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP e do Cepid Redoxoma, estudando mecanismos envolvendo produtos que se formam na degradação de membranas biológicas.
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Ferroptose
O cientista explica que as células podem morrer de várias formas, e cada tipo de morte celular tem um impacto diferente no organismo. Por exemplo, a chamada morte por apoptose (programada) em geral não ativa o sistema defesa do organismo. Já as mortes não programadas, em sua maioria, ocorrem quando as membranas celulares ficam desorganizadas e extravasam os componentes que estavam dentro da célula. Estes, por sua vez, são reconhecidos pelo sistema imunológico e ativam uma cadeia de reações que podem continuar propagando os danos.
Em determinados tecidos, diz ele, a ferroptose pode desencadear um processo de inflamação crônica que vai estimular mais morte e mais inflamação, gerando um ciclo vicioso, que pode estar envolvido em algumas doenças. Mas nem tudo é prejuízo. “Mortes como a ferroptose podem ser vistas como um benefício, por exemplo, em terapias para alguns tipos de câncer, porque elas podem reativar o sistema imunológico”, conta o pesquisador, citando assim exemplos em que é possível aplicar o conhecimento gerado por pesquisas básicas e tão específicas como essa.
Vários aspectos envolvidos nesse tipo de morte celular, no entanto, ainda não foram esclarecidos. O que dispara a ferroptose? Que fatores determinam a suscetibilidade das células a esse tipo de morte? Por que a enzima GPx4 é tão especial/essencial para a sobrevivência celular? Como inibir a ferroptose?
Essas são algumas das perguntas que os pesquisadores vêm explorando utilizando modelos celulares e animais, além de uma grande variedade de ferramentas de análise clássicas e avançadas de bioquímica e biologia molecular.
Diagrama de uma típica célula animal – Foto: Kelvinsong via Wikimedia Commons – CC
Diagrama de uma típica célula animal – Foto: Kelvinsong via Wikimedia Commons – CC.
Enzima protetora
Em seu pós-doutorado no grupo de Marcus Conrad, do Institute of Developmental Genetics, Helmholtz Zentrum Munchem, o pesquisador participou de vários estudos importantes, publicados em revistas de alto impacto, os quais evidenciaram o papel essencial de uma enzima específica para a sobrevivência celular, chamada GPx4. Ela atua na proteção dos lipídeos das membranas biológicas, e estudos liderados por Conrad demonstraram que a inibição ou a destruição desta enzima induz à morte celular por ferroptose.
“No pós-doutorado acabei me envolvendo mais com a engenharia genética para gerar novos modelos para estudar a peroxidação lipídica [degradação das gorduras]. E, por sorte, foi nessa época que surgiu uma técnica de edição genética, a CRISPR-Cas9, que facilitou muito o trabalho”, conta Angeli, que atualmente lidera seu próprio grupo de pesquisa na University of Wursburg.
Em dois trabalhos publicados recentemente na revista Nature Chemical Biology, eles mostraram que a suscetibilidade das células à ferroptose depende da composição de lipídeos das membranas celulares..
200 anos de selênioAo longo da evolução, utilização de selenocisteína pode ter permitido que as células tolerassem condições estressantes sem que ativassem a ferroptose – Imagem: Domínio Público via Wikimedia Commons
Mais recentemente, em um trabalho publicado na prestigiada revista Cell, com a colaboração do grupo da professora Sayuri Miyamoto, foi demonstrado o papel essencial do selênio, elemento que compõe a enzima GPx4 na forma de uma substância chamada selenocisteína. Por coincidência, o trabalho foi publicado no ano em que se comemoram os 200 anos da descoberta do selênio pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius.
“Este trabalho mostrou, pela primeira vez, o papel crucial da enzima GPx4 e o papel fundamental do selênio no desenvolvimento de uma classe específica de neurônios”, afirmou Miyamoto. Além disso, os dados dão suporte à teoria de que o selênio no sítio ativo da enzima confere resistência à degradação da mesma, evitando assim sua inativação e, consequentemente, o desencadeamento do processo de ferroptose em determinadas condições.
Para a pesquisadora, as descobertas também apontam para os mecanismos evolutivos que levaram alguns organismos – mamíferos, peixes, aves, alguns vermes e bactérias – a optar por uma maneira aparentemente mais custosa e menos efetiva de sintetizar proteínas contendo selenocisteína.
Segundo Angeli, “é surpreendente que, durante a evolução, tenha sido mantida a maquinaria de incorporação do selênio na enzima GPx4”. É provável que a utilização de selenocisteína tenha permitido que as células tolerassem condições estressantes sem que ativassem a ferroptose. “Possivelmente, a utilização do selênio foi necessária para a evolução de membranas lipídicas mais complexas.”
O seminário será realizado no dia 15 de maio, às 12 horas, no Anfiteatro Paschoal Senise (Cinza), bloco 6 superior, no Instituto de Química da USP (Av. Prof. Lineu Prestes, 748, Cidade Universitária, São Paulo), e será transmitido por videoconferência para as instituições participantes do Redoxoma.
Com informações de Maria Célia Wider, da Assessoria do Cepid Redoxoma
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