Descoberta sobre ativação de genes pode ajudar a conter câncer de próstata

Ativação de genes indica regulação da próstata por hormônio, mostra estudo, apontando caminho para novos tratamentos.

Revelação de genes que estavam aumentados em tumores na próstata pode levar ao desenvolvimento de drogas que inibam a ação do hormônio andrógeno e o avanço da doença – Foto: Visual Hunt-CC

O andrógeno é o hormônio que regula as funções da próstata, glândula do sistema genital masculino. Para atuar nas células deste órgão, o hormônio precisa se ligar aos receptores de andrógeno, que ativam os genes responsáveis pela regulação da glândula. Pesquisa do Instituto de Química (IQ) da USP e do Instituto Butantan identificou moléculas que são fatores associados à ativação desses genes.

Essas moléculas são os RNAs de uma família específica (“RNAs longos não codificadores”, ou simplesmente aqueles não usados para traduzir proteínas – uma das funções dos RNAs). O estudo identificou 7.022 RNAs expressos na próstata, 619 deles associados ao receptor de andrógeno. A comparação com dados de pacientes com câncer de próstata revelou 67 genes que expressavam RNAs longos não codificadores e estavam aumentados nos tumores. Assim, a descoberta pode levar ao desenvolvimento de drogas que inibam a atividade do receptor e a progressão da doença.

O hormônio andrógeno é produzido na glândula suprarrenal e chega até as células da próstata pela corrente sanguínea. “No interior da célula (citoplasma), o hormônio precisa se ligar a um receptor de andrógeno para ser transportado até o núcleo, onde estão os genes que fazem a regulação da célula”, diz o professor Sérgio Verjovski Almeida, coordenador da pesquisa. No núcleo encontra-se o DNA genômico, com cerca de 10 mil locais de domínio conservado, que são genes que podem ou não ser ativados, onde o receptor de andrógeno se liga. “Para ativar os genes e fazer as células funcionarem, o receptor se associa a diversos fatores, um dos quais são os RNAs longos não codificadores”. Esse tipo de RNA interage com proteínas que vão regular as funções das células.

O professor aponta que os tumores do câncer de próstata são sensíveis ao andrógeno, por isso o tratamento procura, num primeiro momento, suprimir o hormônio no paciente. “Entretanto, em um estágio avançado, os receptores de andrógeno passam a agir independentemente da presença do hormônio”, observa. “Controlar a ativação destes receptores poderia conter a progressão dos tumores. Por essa razão, os RNAs longos não codificadores ligados ao receptor são um possível alvo para o futuro desenvolvimento de drogas que combatam o câncer de próstata”, explica.

Bioinformática

A partir da análise de um enorme banco de dados gerado pelo grupo de pesquisa, com 600 milhões de sequências do RNA de células da próstata, os cientistas buscaram identificar todos os RNAs longos não codificadores expressos nessas células. “Ao todo, foram encontrados 7.022 RNAs diferentes”, destaca Verjovski Almeida, “dos quais 3.043 já eram descritos pela literatura científica e 3.979 ainda eram desconhecidos”.

Em seguida, era preciso identificar quantos e quais RNAs se ligavam ao receptor de andrógeno. Para isso os pesquisadores usaram um anticorpo para precipitar o receptor junto com os RNAs associados a ele, realizando em seguida o sequenciamento. “Foram identificados 619 RNAs longos não codificadores diferentes ligados ao receptor”, relata o professor. “Eles estavam na vizinhança de genes que poderiam ser regulados pelo receptor de andrógeno”.

Para confirmar quais genes estavam ativados ou inibidos, a pesquisa identificou onde havia marcas de proteínas que indicam quando há expressão dos RNAs: as histonas. “Nesta etapa utilizaram-se técnicas de aprendizado de máquina, com a criação de um algoritmo (fórmula matemática) para analisar grandes conjuntos de dados e encontrar padrões que se repetem, como as marcas de histonas (proteínas)”, conta Verjovski Almeida. “A análise de 28 conjuntos de dados públicos sobre as marcas de histonas mapeadas no genoma de células da próstata permitiu encontrar marcas de ativação significativamente mais abundantes nos locais do genoma onde os RNAs estavam ligados ao receptor de andrógeno, sugerindo que os genes vizinhos daqueles locais serão ativados.”

Os pesquisadores também compararam os resultados com dados sobre os genes de tumores em pacientes com câncer de próstata. “Foram identificados 67 genes que expressavam RNAs longos não codificadores e estavam aumentados nos tumores, 23 deles ainda não descritos pela ciência”, aponta o professor. “Possivelmente, eles estão relacionados à multiplicação das células cancerosas e ao crescimento dos tumores, o que será verificado em novos estudos.”

.Professor Sérgio Verjovski Almeida, do Instituto de Química (IQ): análises de grandes conjuntos de dados no genoma de células permitiram encontrar padrões que se repetem – Foto Marcos Santos/USP Imagens

A pesquisa é descrita no artigo Chromatin Landscape Distinguishes the Genomic Loci of Hundreds of Androgen-Receptor-Associated LincRNAs From the Loci of Non-associated LincRNAs, publicado na revista científica Frontiers in Genetics no último dia 25 de abril. O texto é de autoria de Lucas Ferreira da Silva, Felipe Beckedorff, Ana Ayupe, Murilo Amaral, Vinícius Mesel, Alexandre Videira, Eduardo Reis, João Setubal e Sergio Verjovski-Almeida. O primeiro autor do artigo, Lucas Ferreira da Silva, estudou o tema em sua tese de doutorado, no Departamento de Bioquímica do IQ e no Programa Interunidades em Bioinformática da USP. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

JORNAL USP

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